sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Resumo do canto VII - Os Lusíadas

Se você estava procurando o resumo do canto VII, da obra Os Lusíadas, de Luis de Camões, agora não está mais! Confira este e compare.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo retratar os acontecimentos históricos de Portugal mediante a obra “Os Lusíadas” de Luis de Camões, considerada a epopeia por excelência. Esta obra, que é composta por dez cantos, tem como ação central a descoberta do caminho marítimo a Índia por Vasco da Gama, a volta da qual se vão descrevendo outros episódios da história de Portugal, glorificando o povo português.

Através do resumo do canto VII. , iremos perceber que a narrativa inicia-se com o prenúncio da chegada dos portugueses à Calicute. E desse modo, será apresentado todo o contexto inserido por Camões nesta narrativa interessante e envolvente, desde a chegada à Índia até o apelo às musas para prosseguir seu canto.

***
O canto VII começa com a chegada dos portugueses à Calicute, na Índia: “JÁ se viam chegados junto à terra, que desejada já de tantos fora”. Das estrofres 1 a 14, o poeta descreve a distinção entre os portugueses em relação à nação européia, por considerar esta indiferente na luta contra os infiéis. Segundo Camões, os reis e os nobres das outras nações européias em guerras estranhas, sem honras e injustas, como mostra a estrofe 2:
A vós, ó geração de Luso, digo,
Que tão pequena parte sois no mundo,
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de Quem governa o Céu rotundo;
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo imundo,
Mas nem cobiça ou pouca obediência
Da Madre que nos Céus está em essência;

Camões continua sua crítica e inclue os alemães, franceses e ingleses que renegam a verdadeira fé e enfraquece o poder cristão. Estrofes 4 a 7:
Vede'los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apacenta;
Do sucessor de Pedro rebelado,
Novo pastor e nova seita inventa;
Vede'lo em feias guerras ocupado,
Que inda co cego error se não contenta,
Não contra o superbíssimo Otomano,
Mas por sair do jugo soberano.
Vede'lo duro Inglês, que se nomeia
Rei da velha e santíssima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhoreia
(Quem viu honra tão longe da verdade?),
Entre as Boreais neves se recreia,
Nova maneira faz de Cristandade:
Pera os de Cristo tem a espada nua,
Não por tomar a terra que era sua.
Guarda-lhe, por entanto, um falso Rei
A cidade Hierosólima terreste,
Enquanto ele não guarda a santa Lei
Da cidade Hierosólima celeste.
Pois de ti, Galo indino, que direi?
Que o nome «Cristianíssimo» quiseste,
Não pera defendê-lo nem guardá-lo,
Mas pera ser contra ele e derribá-lo!
Achas que tens direito em senhorios
De Cristãos, sendo o teu tão largo e tanto,
E não contra o Cinífio e Nilo rios,
Inimigos do antigo nome santo?
Ali se hão-de provar da espada os fios
Em quem quer reprovar da Igreja o canto.
De Carlos, de Luís, o nome e a terra
Herdaste, e as causas não da justa guerra?

Critica também os italianos pela sua corrupção para o próprio ganho pessoal. Estrofe 8:
Pois que direi daqueles que em delícias,
Que o vil ócio no mundo traz consigo,
Gastam as vidas, logram as divícias,
Esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tirania inimicícias,
Que o povo forte tem, de si inimigo.
Contigo, Itália, falo, já sumersa
Em vícios mil, e de ti mesma adversa.

Camões exalta a nação portuguesa, que com intenções nobres, lutam contras os mouros e turcos e procura conquistar o povo imundo, dilatando a religião cristã. Na estrofe 9, o poeta faz referência a uma lenda, em que Cadmo semeou dentes de dragão e deles nasceram soldados que se mataram uns aos outros. Nesse trecho, Cadmo mandou alguns companheiros à Fonte de Ares, guardada por um dragão, que os devorou. Cadmo matou o dragão. Atena apareceu-lhe e o aconselhou a semear dos dentes do animal, o que ele fez e, imediatamente da terra brotaram homens armados. Estes homens eram ameaçadores e Cadmo imaginou lançar pedras para o meio deles. Não vendo quem os feria, acusaram-se reciprocamente e massacraram-se. Ficaram cinco, que ajudaram Cadmo a fundar Tebas. Camões faz referência também à Divina sepultura possuída de cães, expressão figurada dado que os dentes nasceram da terra. Aqui, Jerusalém ficou possuída pelo império Otomano (de religião islâmica), em 1517, que passou também a tomar posse da Divina sepultura (Túmulo de Cristo).
Ó míseros Cristãos, pola ventura
Sois os dentes, de Cadmo desparzidos,
Que uns aos outros se dão à morte dura,
Sendo todos de um ventre produzidos?
Não vedes a divina Sepultura
Possuída de Cães, que, sempre unidos,
Vos vêm tomar a vossa antiga terra,
Fazendo-se famosos pela guerra?

Na estrofe 12, Camões faz nova crítica contra a Europa. Segundo ele, a civilização era maculada pela presença dos turcos, que se difundia cada vez mais. Na estrofe 13, continua a dirigir-se aos divididos povos europeus e refere-se aos feitos desumanos do povo ignorante, que obriga gregos, trácios, arménios e georgianos a educarem seus filhos nos preceitos do alcorão.

Aquelas invenções, feras e novas,
De instrumentos mortais da artelharia
Já devem de fazer as duras provas
Nos muros de Bizâncio e de Turquia.
Fazei que torne lá às silvestres covas
Dos Cáspios montes e da Cítia fria
A Turca geração, que multiplica
Na polícia da vossa Europa rica.
Gregos, Traces, Arménios, Georgianos,
Bradando vos estão que o povo bruto
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
Preceptos do Alcorão (duro tributo!).
Em castigar os feitos inumanos
Vos gloriai de peito forte e astuto,
E não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.

Das estrofes 15 a 22, Camões narra a entrada à Calicute e descreve a Índia. Logo nas estrofres 15 e 16, ele lembra a fúria dos ventos repugnantes enfrentada pelos navegantes, que recorreram à Vênus que, com sua brandura, enfraqueceu a fúria dos ventos. Ao chegar à nova terra, que data o período de maio de 1498, os pescadores, em leves embarcações, mostram aos portugueses o caminho para Calecute, onde vive o rei da Índia. Na estrofe 17, o poeta descreve a Índia, traçando seus limites, mas volta a criticar a religião do povo local.
E vejamos, entanto, que acontece
Àqueles tão famosos navegantes,
Despois que a branda Vénus enfraquece
O furor vão dos ventos repugnantes;
Despois que a larga terra lhe aparece,
Fim de suas perfias tão constantes,
Onde vem samear de Cristo a lei
E dar novo costume e novo Rei.
Tanto que à nova terra se chegaram,
Leves embarcações de pescadores
Acharam, que o caminho lhe mostraram
De Calecu, onde eram moradores.
Pera lá logo as proas se inclicaram,
Porque esta era a cidade, das milhores
Do Malabar, milhor, onde vivia
O Rei que a terra toda possuía.
Além do Indo jaz e aquém do Gange
Um terreno mui grande e assaz famoso
Que pela parte Austral o mar abrange
E pera o Norte o Emódio cavernoso.
Jugo de Reis diversos o constrange
A várias leis: alguns o vicioso
Mahoma, alguns os Ídolos adoram,
Alguns os animais que entre eles moram.

Seguindo os acontecimentos, Camões continua a descrever a geografia de Índia e apresenta os primeiros contatos com o povo desconhecido (Calecute) nas estrofes 23 a 27. Vasco da Gama avisa o soberano indiano (rei Samorim) da sua chegada e manda a terra o degredado João Martins. No meio deste povo, com quem não consegue falar, João Martins encontra o mouro Monçaide, hispânico e falante de castelhano, que o acolhe e lhe serve de tradutor. O mouro se admira do espírito aventureiros dos portugueses, ao conhecer suas aventuras e por vê-los tão longe da pátria. Monçaide o acompanha até a frota e explica aos portugueses um pouco de geografia, história, política, religião e costumes da Índia.
Chegada a frota ao rico senhorio,
Um Português, mandado, logo parte
A fazer sabedor o Rei gentio
Da vinda sua a tão remota parte.
Entrando o mensageiro pelo rio
Que ali nas ondas entra, a não vista arte,
A cor, o gesto estranho, o trajo novo,
Fez concorrer a vê-lo todo o povo.
Entre a gente que a vê-lo concorria,
Se chega um Mahometa, que nascido
Fora na região da Berberia,
Lá onde fora Anteu obedecido.
(Ou, pela vezinhança, já teria
O Reino Lusitano conhecido,
Ou foi já assinalado de seu ferro;
Fortuna o trouxe a tão longo desterro).
Em vendo o mensageiro, com jocundo
Rosto, como quem sabe a língua Hispana,
Lhe disse: - « Quem te trouxe a estoutro mundo,
Tão longe da tua pátria Lusitana?»
- «Abrindo (lhe responde) o mar profundo
Por onde nunca veio gente humana;
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se acrecente.»
Espantado ficou da grão viagem
O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as opressões que na passagem
Do mar o Lusitano lhe contava.
Mas vendo, enfim, que a força da mensagem
Só pera o Rei da terra relevava,
Lhe diz que estava fora da cidade,
Mas de caminho pouca quantidade;
E que, entanto que a nova lhe chegasse
De sua estranha vinda, se queria,
Na sua pobre casa repousasse
E do manjar da terra comeria;
E despois que se um pouco recreasse,
Co ele pera a armada tornaria,
Que alegria não pode ser tamanha
Que achar gente vizinha em terra estranha.

Das estrofes 28 a 41, Monçaide e João Martins regressam à frota de Vasco da Gama e fornece informações importantes acerca da Índia. Nas estrofes 37 a 41, são descritos os costumes religiosos do povo local, cuja lei de “fábulas compostas se imagina”.
«A Lei da gente toda, rica e pobre,
De fábulas composta se imagina.
Andam nus e somente um pano cobre
As partes que a cobrir Natura ensina.
Dous modos há de gente, porque a nobre
Naires chamados são, e a menos dina
Poleás tem por nome, a quem obriga
A lei não mesturar a casta antiga;
«Porque os que usaram sempre um mesmo ofício,
De outro não podem receber consorte;
Nem os filhos terão outro exercício
Senão o de seus passados, até morte.
Pera os Naires é, certo, grande vício
Destes serem tocados; de tal sorte
Que, quando algum se toca porventura,
Com cerimónias mil se alimpa e apura.
«Desta sorte o Judaico povo antigo
Não tocava na gente de Samária.
Mais estranhezas inda das que digo
Nesta terra vereis de usança vária.
Os Naires sós são dados ao perigo
Das armas; sós defendem da contrária
Banda o seu Rei, trazendo sempre usada
Na esquerda a adarga e na direita a espada.
«Brâmenes são os seus religiosos,
Nome antigo e de grande preminência;
Observam os preceitos tão famosos
Dum que primeiro pôs nome à ciência;
Não matam cousa viva e, temerosos,
Das carnes têm grandíssima abstinência.
Somente no Venéreo ajuntamento
Têm mais licença e menos regimento.
«Gerais são as mulheres, mas somente
Pera os da geração de seus maridos
(Ditosa condição, ditosa gente,
Que não são de ciúmes ofendidos!)
Estes e outros costumes vàriamente
São pelos Malabares admitidos.
A terra é grossa em trato, em tudo aquilo
Que as ondas podem dar, da China ao Nilo.»

Algum tempo depois, Vasco da Gama recebe permissão para desembarcar com os portugueses e é recebido pelo Catual (governador ou ministro) de Calicute, que o leva a Samorim, fato narrado por Camões a partir da estrofe 42. Na estrofe 45, Camões fala da dificuldade dos portugueses em se comunicar com o povo local.
Destarte o Malabar, destarte o Luso,
Caminham lá pera onde o Rei o espera;
Os outros Portugueses vão ao uso
Que infantaria segue, esquadra fera.
O povo que concorre vai confuso
De ver a gente estranha, e bem quisera
Perguntar; mas, no tempo já passado,
Na Torre de Babel lhe foi vedado.

Após desembarcar, Cabul e Vasco da Gama, com a ajuda da interpretação de Monçaide, pela cidade iam caminhando. Cabul o levou a um templo cristão, que não passava de um local para adoração de ídolos, como mostra as estrofes 46 a 49. Segundo fontes de pesquisa, Vasco da Gama estava à procura de cristãos na nova terra e chega a confundir um templo indiano com uma igreja de Cristo.
O Gama e o Catual iam falando
Nas cousas que lhe o tempo oferecia;
Monçaide, entr'eles, vai interpretando
As palavras que de ambos entendia.
Assi pela cidade caminhando,
Onde üa rica fábrica se erguia
De um sumptuoso templo já chegavam,
Pelas portas do qual juntos entravam.
Ali estão das Deidades as figuras,
Esculpidas em pau e em pedra fria,
Vários de gestos, vários de pinturas,
A segundo o Demónio lhe fingia;
Vêm-se as abomináveis esculturas,
Qual a Quimera em membros se varia;
Os cristãos olhos, a ver Deus usados
Em forma humana, estão maravilhados.

Um, na cabeça cornos esculpidos,
Qual Júpiter Amon em Líbia estava;
Outro, num corpo rostos tinha unidos,
Bem como o antigo Jano se pintava;
Outro, com muitos braços divididos,
A Briareu parece que imitava;
Outro, fronte canina tem de fora,
Qual Anúbis Menfítico se adora.
Aqui feita do bárbaro Gentio
A supersticiosa adoração,
Direitos vão, sem outro algum desvio,
Pera onde estava o Rei do povo vão.
Engrossando-se vai da gente o fio
Cos que vêm ver o estranho Capitão.
Estão pelos telhados e janelas
Velhos e moços, donas e donzelas.

Esses fatos se discorrem enquanto Catual e os portugueses caminham até o rei Samorim. Das estrofes 57 a 65, os versos descrevem a Visita de Vasco da Gama a Samorim e o acolhimento dos portugueses. Então, Vasco da Gama oferece à Samorim a amizade dos portugueses em nome do rei de Portugal.

Assi falando, entravam já na sala
Onde aquele potente Emperador
Nüa camilha jaz, que não se iguala
De outra algüa no preço e no lavor.
No recostado gesto se assinala
Um venerando e próspero senhor;
Um pano de ouro cinge, e na cabeça
De preciosas gemas se adereça.

Bem junto dele, um velho reverente,
Cos giolhos no chão, de quando em quando
Lhe dava a verde folha da erva ardente,
Que a seu costume estava ruminando.
Um Brâmene, pessoa preminente,
Pera o Gama vem com passo brando,
Pera que ao grande Príncipe o apresente,
Que diante lhe acena que se assente.

Sentado o Gama junto ao rico leito,
Os seus mais afastados, pronto em vista
Estava o Samori no trajo e jeito
Da gente, nunca de antes dele vista.
Lançando a grave voz do sábio peito,
Que grande autoridade logo aquista
Na opinião do Rei e do povo todo,
O Capitão lhe fala deste modo:

- «Um grande Rei, de lá das partes onde
O Céu volúbil, com perpétua roda,
Da terra a luz solar co a Terra esconde,
Tingindo, a que deixou, de escura noda,
Ouvindo do rumor que lá responde
O eco, como em ti da Índia toda
O principado está e a majestade,
Vínculo quer contigo de amizade.
«E por longos rodeios a ti manda
Por te fazer saber que tudo aquilo
Que sobre o mar, que sobre as terras anda,
De riquezas, de lá do Tejo ao Nilo,
E desd'a fria plaga de Gelanda
Até bem donde o Sol não muda o estilo
Nos dias, sobre a gente de Etiópia,
Tudo tem no seu Reino em grande cópia.
«E se queres, com pactos e lianças
De paz e de amizade, sacra e nua,
Comércio consentir das abondanças
Das fazendas da terra sua e tua,
Por que creçam as rendas e abastanças
(Por quem a gente mais trabalha e sua)
De vossos Reinos, será certamente
De ti proveito, e dele glória ingente.

«E sendo assi que o nó desta amizade
Entre vos firmemente permaneça
Estará pronto a toda adversidade
Que por guerra a teu Reino se ofereça,
Com gente, armas e naus, de qualidade
Que por irmão te tenha e te conheça;
E da vontade em ti sobr'isto posta
Me dês a mi certíssima resposta.»

Tal embaxada dava o Capitão,
A quem o Rei gentio respondia
Que, em ver embaxadores de nação
Tão remota, grão glória recebia;
Mas neste caso a última tenção
Com os de seu conselho tomaria,
Informando-se certo de quem era
O Rei e a gente e terra que dissera;
E que, entanto, podia do trabalho
Entre vós firmemente permaneça,
A quem o Rei gentio respondia
Passado ir repousar; e em tempo breve
Daria a seu despacho um justo talho,
Com que a seu Rei reposta alegre leve.
Já nisto punha a noite o usado atalho
Ás humanas canseiras, por que ceve
De doce sono os membros trabalhados,
Os olhos ocupando, ao ócio dados.

A partir da estrofe 66, enquanto os portugueses são acolhidos pelo rei, Samorim ordena a Catual que colha mais informações junto de Monçaide acerca dos portugueses e, em seguida, visita a esquadra portuguesa, onde é recebido por Paulo da Gama, irmão de Vasco da Gama. Catual indaga a Paulo da Gama do significado das figuras desenhadas nas bandeiras lusas. O irmão do comandante assume a narrativa e conta os feitos dos heróis da pátria (Viriato, D. Afonso Henriques, Egas Moniz, D. Nuno Álvares e outros). Nas bandeiras, os símbolos representavam os episódios históricos vivenciados por portugal ao longo do tempo.
Agasalhados foram juntamente
O Gama e Postugueses no apousento
Do nobre Regedor da Indica gente,
Com festas e geral contentamento.
O Catual, no cargo diligente
De seu Rei, tinha já por regimento
Saber da gente estranha donde vinha,
Que costumes, que lei, que terra tinha
Tanto que os ígneos carros do fermoso
Mancebo Délio viu, que a luz renova
Manda chamar Monçaide, desejoso
De poder-se informar da gente nova.
Já lhe pergunta, pronto e curioso,
Se tem notícia inteira e certa prova
Dos estranhos, quem são; que ouvido tinha
Que é gente de sua pátria mui vizinha;
(...)
Já com desejos o Idolátra ardia
De ver isto que o Mouro lhe contava;
Manda esquipar batéis, que ir ver queria
Os lenhos em que o Gama navegava.
Ambos partem da praia, a quem seguia
A Naira geração, que o mar coalhava;
À capitaina sobem, forte e bela,
Onde Paulo os recebe a bordo dela.
Purpúreos são os toldos, e as bandeiras
Do rico fio são que o bicho gera;
Nelas estão pintadas as guerreiras
Obras que o forte braço já fizera;
Batalhas têm campais aventureiras,
Desafios cruéis, pintura fera,
Que, tanto que ao Gentio se apresenta,
A tento nela os olhos apacenta.

Pelo que vê pergunta; mas o Gama
Lhe pedia primeiro que se assente
E que aquele deleite que tanto ama
A seita Epicureia experimente.
Dos espumantes vasos se derrama
O licor que Noé mostrara à gente;
Mas comer o Gentio não pretende,
Que a seita que seguia lho defende.
A trombeta, que, em paz, no pensamento
Imagem faz de guerra, rompe os ares;
Co fogo o diabólico instrumento
se faz ouvir no fundo lá dos mares.
Tudo o Gentio nota; mas o intento
Mostrava sempre ter nos singulares
Feitos dos homens que, em retrato breve
A muda poesia ali descreve.
Alça-se em pé, co ele o Gama junto,
Coelho de outra parte e o Mauritano;
Os olhos põem no bélico transunto
De um velho branco, aspeito venerando,
Cujo nome não pode ser defunto
Enquanto houver no mundo trato humano:
No trajo a Grega usança está perfeita;
Um ramo, por insígnia, na direita.

Da estrofe 78 até o final do canto, Camões faz nova inovação às Ninfas do Tejo e do Mondego, e queixa-se da sua infelicidade e pede inspiração para prosseguir o canto. O poeta conta um pouco da sua biografia e lança-se num lamento indignado pelo modo como sua pátria o tem tratado, a quem só pretende cantar a glória portuguesa. Na estrofe 79, Camões faz referência à tragédia Éolo. Nessa mitologia, Cânace foi forçada pelo seu pai a cometer suicídio como punição pelo fato de ter mantido uma relação incestuosa com o seu irmão Macareu. Em sua lamentação, o poeta faz referência ao seu naufrágio no mar da China pelos fins de 1558, relacionando-o com a história de Ezequias, rei de Judá, que ao saber de sua morte pelo profeta Isaías, roga à Deus mais quinze anos de vida. Camões, indignado, chega Camões chega a enumerar as pessoas que não merecem a glória que o canto do poeta dá: os lisonjeiros; os que atuam movidos por um interesse pessoal em prejuízo de um bem comum e do seu rei; os que atuam movidos pela ambição (os que sobem ao poder por influências, compram de cargos de importância), permitindo dar vida aos seus vícios; e os que exercem despoticamente o poder.
Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego,
Eu, que cometo, insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Os olhos põe no bélico trasunto
Que o meu fraco batel se alague cedo.
Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vem e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Cánace, que à morte se condena,
Nüa mão sempre a espada e noutra a pena;
Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo mais que nunca derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que pera o Rei Judaico acrecentar-se.
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assi sabem prezar, com tais favores,
A quem o faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Pera espertar engenhos curiosos,
Pera porem as cousas em memória
Que merecerem ter eterna glória!
Pois logo, em tantos males, é forçado
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engradeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não no empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido,
Sob pena de não ser agradecido.
Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa.
Aqueles sós direi que aventuraram
Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida,
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida.
Apolo e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento, descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.


FONTES DE CONSULTA:
www.dominiopublico.com.br (download do livro Os Lusiadas)
www.wikipedia.com
www.scribd.com
www.docsgoogle.com
www.oslusiadas.com.br
www.culturaatura.com.

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