sábado, 7 de novembro de 2009

Obrigado, Professor!

As experiências marcantes em nossa vida, sejam elas agradáveis ou não, sempre terão um lugar privilegiado em nossa memória, tendo em vista que são resultados de momentos que, de algum modo, influenciam o aspecto psicológico e social em que somos inseridos.

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Quero relatar uma experiência que aconteceu comigo no meu primeiro ano como professor primário, numa turma de primeira série, em 1996. Foi a primeira de tantas experiências que torna a profissão de professor tão gratificante.

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Alfabetizar crianças da zona rural é um grande desafio. A maioria delas não passa pela educação infantil e ingressa na primeira série, às vezes, sem nunca ter pegado no lápis. E foi assim com Reginaldo, um menino de sete anos, que teve o seu primeiro contato com a escola com o objetivo de aprender e ao mesmo tempo, me colocou na responsabilidade de ensiná-lo.

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Reginaldo era muito curioso, gostava de aprender e sentia-se realizado quando conseguia superar suas dificuldades. Todavia, ficou prejudicado quando adoeceu por duas vezes, acometido pela malária, doença tão comum naquela região. Embora o menino estivesse sempre disposto a aprender, o excesso de faltas fez com que perdesse parte do processo de aprendizagem. Sua mãe era presente, acompanhava a vida escolar do filho e reconhecia que este poderia ser reprovado por problemas que não competia a ele resolver.

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Como previsto, Reginaldo não alcançou média suficiente e teve que fazer a recuperação final. Eu percebia que ele tinha capacidade de passar no exame, era inteligente e sempre disposto a realizar as atividades propostas. No entanto, tinha certa dificuldade na produção escrita, pois não pode acompanhar todo o processo de alfabetização. Marcado o dia para o exame final, dona Ana, mãe do aluno, pediu que o mesmo fizesse o exame em casa, pelo que aceitei prontamente.

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Só depois percebi a diferença entre Reginaldo fazer o exame em casa ou na escola. O garoto não se sentiu à vontade em casa, sentia-se na responsabilidade de passar, familiares esperando o resultado, e demonstrava certo desconforto com essa situação. Mesmo estando sozinho ao fazer o exame, não conseguiu se concentrar e não alcançou a nota que precisava para sua aprovação.

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Ao comunicar o resultado para a mãe, percebi sua tristeza. Mais triste ainda ficou Reginaldo, que lutou contra a doença e esforçou-se ao máximo durante todo o ano. E fiquei pensando. Não queria sair dali com aquele resultado. Sabia que Reginaldo tinha condições de passar. E o menino ali, ainda sentando e cabisbaixo, talvez tentando aceitar a sua condição. E pela primeira vez, tomei uma decisão que me faz questionar o que é realmente avaliar. Chamei dona Ana e expliquei que o fato dele fazer o exame em casa foi determinante para o resultado negativo. “Por isso, vou dar a nota que o seu filho precisa. Reginaldo está aprovado”. E fui embora com a certeza de que tinha feito a coisa certa.

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Nesse mesmo ano, consegui transferência para outra escola. Fui convidado por dona Ana para passar um final de semana com sua família, antes de ir embora. Foram receptivos e como numa despedida, fizeram um grande almoço, como por agradecimento pela prestação de meus serviços. À noite, ao dormir, Reginaldo bate a porta e me entrega um bilhete, timidamente. Abro o bilhete e, escrito à lápis, tinha a mensagem “Professor, você é o melhor professor do mundo, por favor, não vá embora.” E minha alegria ao ler o recado se misturou a satisfação de tê-lo alfabetizado e permitido sua aprovação. Era um recado que, traduzindo, significava dizer: “Professor, obrigado por acreditar em mim!”. Mesmo com um pedido tão tocante, minha saída era certa. Posteriormente, fiz uma visita aquela localidade. Perguntei por Reginaldo a sua professora e grande foi a satisfação ao ouvir: “Reginaldo é o melhor aluno da segunda série!”.

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