domingo, 29 de abril de 2012

Análise literária de O Ateneu, de Raul Pompéia

Obs.: Este trabalho é de Leonilton Cruz, Letras/UFRR. Não é o trabalho final, por isso alguns pontos necessitam de revisão. 


Sobre o  autor

            Raul D’Ávila Pompéia, filho de Antonio D’Ávila Pompéia e de Rosa Teixeira Pompéia,  nasceu em 12 de abril de 1863 em Jacuenga, atual Angra dos Reis. Em 1873, veio com sua família para a Corte, no Rio de Janeiro, onde foi interno no Colégio Abílio, um famoso estabelecimento dirigido pelo educador Abílio César Borges, conhecido com  Barão de Macaúbas. Destacou-se como aluno inteligente, aplicado e bom desenhista e caricaturista, chegando a redigir um jornalzinho, “O Archote”. Aos 14 anos, em 1877, continua seus estudos  no Colégio Pedro II, época em que publicou o seu primeiro romance, Uma tragédia no Amazonas (1880). Em 1881, iniciou o seu curso de direito na Faculdade Largo de São Francisco, em São Paulo, onde participou de movimentos abolicionistas e republicanos.  Durante seu curso, iniciou a publicação do Jornal do Commércio de São Paulo, dos poemas em prosa e Canções sem Metro. Após ser reprovado no terceiro ano, transferiu-se com 93 acadêmicos para a Faculdade de Direito de Recife, onde concluiu o curso.

            De volta para o Rio de Janeiro, escreveu crônicas, folhetins e contos e em 1888, publicou o romance o Ateneu, que lhe consagrou como escritor. Após a proclamação da República, foi professor de mitologia da Escola de Belas Artes e posteriormente, diretor da Biblioteca Nacional. Prosseguiu em suas atividades de jornalista político, revelando-se como um “florianista” exaltado, causando divergências em seu meio. Em 1895, no enterro de Floriano Peixoto, fez um discurso exaltado contra Prudente de Morais, sucessor na Presidência da República. Suas posições polêmicas acabariam por levá-lo à demissão de seu cargo de diretor da Biblioteca Nacional. Passa a ser duramente criticado por seus opositores e impedido de publicar seus trabalhos no Jornal A Notícia, passa por um abatimento profundo. Isolado e rompido com seus pares, suicida-se com um tiro no peito, na noite de Natal de 1895, no Rio de Janeiro.

Principais Obras

Uma tragédia no Amazonas (romance) – 1880
As jóias da Coroa (panfleto satírico) – 1882
Canções sem metro (prosa poética) – 1883
O Ateneu (romance) – 1888

Resumo da Obra

O Romance começa com os primeiros contatos de Sérgio, aos 11 anos, com o Ateneu e sua apresentação a Aristarco e D. Ema antes de ser admitido no colégio. Sérgio teve aulas de um professor em domicílio e visitara duas vezes o Ateneu antes de sua instalação. O pai que lhe diz a porta do Ateneu: “Vais encontrar o mundo. Coragem para a luta”, faz com que o menino um novo ciclo em sua vida, distante do aconchego do lar, dos carinhos e do amparo familiar. Sérgio logo perceberá o significado das palavras do pai e o que está por trás das boas impressões que o internato causa fora dele.   Ocorre a  análise preliminar do internato pelo narrador.

O professor Mânlio recomenda Sérgio à Rebelo, um de seus melhores alunos, que lhe faz as primeiras revelações sobre o ambiente perigoso do internato e a necessidade de ser forte e não admitir protetores. As primeiras aulas são os contatos iniciais e análise dos colegas de classe, com destaque para Rebelo, Franco, Sanches e Egbert. Na primeira aula, ao ser interrogado pelo professor Mânlio, Sérgio é acometido por um forte pavor e desmaia. Levado para a rouparia, encontra um folheto obsceno. Tem o seu primeiro desentendimento com Barbalho, com quem briga.

Aristarco tinha o hábito fazer pela manhã a leitura das notas, motivo de constrangimento e terror para os alunos, em que os fortes eram enaltecidos e os fracos desmoralizados.

A narrativa dá destaque para o episódio do banho e o afogamento de Sérgio que é salvo por Sanches, que se torna o suspeito de ter causado o acidente intencionalmente. Grato, Sérgio se aproxima de Sanches, e favorecido pelo ótimo desempenho escolar deste, que era o primeiro da turma, melhora o seu rendimento nas notas. Mas a relação entre os dois se torna indelicada para Sérgio mediante as insinuações de Sanches, que o assedia. Sérgio se afasta de Sanches e este, vigilante que era, usa de sua influência para atingir Sérgio e vingar-se.

Sérgio tem seu nome anotado no “livro das notas”, no qual eram registradas as ocorrências e a indisciplina dos alunos, que ia à público por Aristarco nas refeições. Sérgio entra numa fase de desânimo e vivencia um período de misticismo e de religiosidade particular, após encontrar uma gravura em cartão de Santa Rosália, que torna sua padroeira.

A fama de mau aluno o aproxima de Franco, que para se vingar das humilhações sofridas, espalha caco de garrafas de vidro durante a noite na piscina onde os alunos se banhavam pela manhã. Sérgio acompanha o ardil propósito de Franco e atormentado pelo remorso e cumplicidade, perde o sono ao imaginar a tragédia iminente. Desespera-se e na capela do internato, reza a sua padroeira e acaba adormecendo. No dia seguinte, é acordado e ao questionar sobre o tanque, é informado que a piscina foi esvaziada para trocar a água que estava suja de repetidos usos e os meninos se banharam no chuveiro. Sérgio deixa de lado o misticismo, perde seu fervor pela religiosidade e confere à Santa Rosália a simples função de marcador de livros. Conta ao pai o que era realmente o Ateneu. Passa a encarar a vida de outra maneira e toma uma postura independente, enfrentando, inclusive, a autoridade de Aristarco.

Um novo aluno chega no colégio: Nearco, valoroso ginasta, filho de uma nobre família pernambucana. Torna-se membro do Grêmio Literário  “Amor ao saber” e revela-se um excelente orador. Sérgio comparece nas reuniões como simples assistente. Passa a freqüentar a biblioteca e faz amizade com o gaúcho Bento Alves, que trabalhava como bibliotecário. A amizade entre os dois torna-se muito íntima e passam a ser alvos de comentários e piadas dos colegas.

Os olhares se voltam para um crime passional, resultado da disputa entre um jardineiro e outro funcionário pelo amor de Ângela, que confessava a um e a outro a sua preferência. Bento Alves torna-se conhecido e respeitado por segurar o assassino.

Barbalho passa a fazer insinuações sobre a amizade de Sérgio e Bento Alves. Para tanto, Barbalho se constituía como um fiscal oculto de seus passos e vê na inimizade entre Malheiro e Bento Alves uma forma de provocá-lo severamente, incitando um contra o outro. Durante uma sessão do Grêmio, Bento Alves e Malheiros brigam violentamente. Malheiros apanha e Bento Alves é surpreendido por uma ordem de prisão de Aristarco. Então, escreve uma carta para Sérgio, informando-o. 

Uma exposição artística marca o início do segundo ano no Ateneu. Nessa volta, o comportamento de Bento Alves muda e, sem explicações, volta-se contra Sérgio assim que o vê e o espanca. Sérgio reage e no calor da briga, agride também a Aristarco que, curiosamente, não toma providências sobre a agressão sofrida e se silencia. Bento Alves sai do Ateneu.

Um escândalo envolvendo dois alunos é descoberto por meio de uma carta encontrada por um dos inspetores. Na carta, Cândido se passa por Cândida e aceita um convite de Emílio para um encontro no jardim. Aristarco os humilha-os publicamente e também outros alunos que sabia do fato e não teriam denunciado ao diretor. Para não envolver a credibilidade do internato, Aristarco, que nada lucrava com o escândalo, decidiu não expulsar os alunos e abrandou o caso.

Sérgio conhece pela primeira vez a verdadeira amizade com Egbert, com quem compartilha um relacionamento sem interesses, de admiração e bons momentos construídos. Sérgio dedicava-se a Egbert o tinha com ternuras de um irmão mais velho. Os dois recebem o convite de um jantar na casa de Aristarco por terem se destacado nos estudos e Sérgio tem a oportunidade de rever D. Ema, que o reconhece. Nasce em Sérgio um apego e  encantamento por D. Ema, uma relação ambígua de mãe e mulher. O amor fraternal entre Sérgio e Egbert se esfria e Sérgio passa a dormir do alojamento dos alunos maiores, fato que os afasta ainda mais. É a época dos exames na secretaria de Instrução Pública. Num ambiente mais masculino, vive com os meninos mais velhos outras peripécias. A camareira Ângela desperta neles uma incontrolável sensualidade, que os faziam ficar fora do dormitório nas saídas noturnas e espiar o sono do inspetor Silvino, por quem tinham que passar para chegar ao jardim da casa de Aristarco. 

Sérgio visita Franco e o encontra doente. Encontrava-se nesse estado desde a última vez que tinha ido para a prisão. Recebe a visita dos médicos duas vezes, que recomendou não deixar Franco exposto ao sereno. Morre alguns dias depois.

Chega o fim do ano letivo. Os alunos fizeram uma cota e construíram um busto em bronze do diretor que, à princípio se sente lisonjeado, mas depois vê na estátua uma espécie de rivalidade, com a  qual competia. Ocorre a premiação dos alunos, com a presença da princesa Isabel.

Após as festividades, Sérgio adoece de sarampo. A família tinha viajado para a Europa para tratamento de seu pai e devido a isso, permanece na enfermaria da escola no período de férias. A presença de D. Ema era constante, que cuida de Sérgio, cuja dedicação se confunde e intensifica os conflitos internos, os quais Sérgio não consegue distinguir.

A obra se encerra com o fim da instituição, destruída por um incêndio, propositadamente causado por Américo, um aluno revoltado que, recém admitido, estava ali forçado pelo pai. Aristarco assiste a seu patrimônio sucumbir, devorado pelas chamas. D. Ema o abandona.

As personagens 

Sérgio: Personagem central. A história é contada a partir de sua ótica. Criado no aconchego do lar sob carinhos maternos, penetra no mundo do Ateneu aos onze anos. Como protagonista, é um menino sem experiência e tímido, mas como aluno interno, aos poucos se familiariza com o sistema pervertido do internato e torna-se amargo e sarcástico, momento em que Pompéia assume os moldes de protagonista-narrador. Sérgio passa por uma vivência dolorosa, perde a sua pureza e compreende a realidade do universo do internato, que nada mais é que um reflexo da sociedade no mundo além dos muros do colégio.

Aristarco: É o diretor do Ateneu. Seu nome, que significa “governo dos melhores” revela o seu modo autoritário e insensível de governar. É egocêntrico e moralista. Seus interesses não se pautam apenas sobre o ponto de vista pedagógico. Tem a escola como um comércio, colocando-o como uma vitrine aos olhos da sociedade.

Ema: Mulher de Aristarco. Sua figura pode ser compreendida a partir de dois ângulos: como mãe, pela sua ternura, compreensão e cuidados e como mulher, devido a sua presença feminina diante dos meninos em processo de descoberta da sexualidade.

Angêla: Camareira de D. Ema. “Grande, carnuda, sanguínea e fogosa” (Cap. V). É a materialização do sexo. Costumava assistir aos banhos dos rapazes e torna a figura central no assassinato que ocorre no colégio.

Dr. Cláudio: Professor, palestrante, íntegro. Figura como Raul Pompéia adulto.

Franco: O bode expiatório de todos, sobre o qual se descarrega toda a violência, inclusive de Aristarco.

Sanches: O sedutor. Oferece proteção aos meninos novos e os ajuda nos estudos, com segundas intenções.

Bento Alves: Amigo íntimo de Sérgio, a quem o estima femininamente. É forte e conhecido por todos.

Rebelo: Aluno exemplar, com quem Sérgio tem seus primeiros contatos, recebendo seus conselhos.

Egbert: Aluno com quem Sérgio construiu sua melhor amizade.
  

O contexto histórico-social

A partir de 1850, a campanha abolicionista se intensifica e após a Guerra do Paraguai (1864-1870), o movimento republicano ganha força no país e  em 1870, é criado o Partido Republicano. As idéias do liberalismo e da democracia ganham mais espaço. A monarquia entra em decadência e 1888 (mesmo ano da publicação do romance O Ateneu) vigora a Leia Áurea, que cria uma nova realidade: o fim da mão-de-obra escrava, substituída por mão-de-obra assalariada dos imigrantes europeus.

A indústria se desenvolve cada vez mais, ao mesmo tempo em que a ciência se evolui e passa a ter uma importância fundamental para a explicação do mundo físico a partir da experimentação e observação da realidade. O Capitalismo se fortalece e o crescimento a população urbana, a desigualdade econômica e o surgimento do proletariado provocam profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais a partir da segunda metade do Séc. XIX.

É nesse contexto que Raul Pompeia realiza a sua obra-prima O Ateneu. Uma época em que os colégios, instituições de ensino das elites, eram rigorosos e valorizavam quem tinha mais poder aquisitivo. O Ateneu era um internato freqüentado pela elite brasileira, no Rio de Janeiro, durante a segunda metade do século XIX.

O contexto literário

O Contexto literário está fortemente ligado ao contexto histórico político-social da época. Na segunda metade do século XIX, os movimentos que mais marcaram época foram o Naturalismo e o Realismo, embora o Parnasianismo, o Simbolismo, bem como o Impressionismo e o Expressionismo também tenham contribuído significativamente nas transformações literárias deste século e que culminam com o Modernismo.

Em O Ateneu, pode ser encontrado várias estilos literários. Coutinho (2004, p?) considera Pompéia um escritor impermeável a classificações literárias: “Parnasiano? Realista? Naturalista? Psicologista? Impressionista? As diferentes classificações que lhe tem sido atribuídas são um índice de complexidade de sua arte máxima”. O que podemos perceber é que o autor transitava entre os vários estilos literários, embora a sua obra carregue traços marcantes do Naturalismo e Realismo. Segundo Bosi (1994, p.183), não se pode definir o Ateneu como uma obra realista, pois há outros traços que marcam o romance, como poderemos observar mais adiante. Em suma, o estilo de Raul Pompéia foge de toda e qualquer padronização literária, o que impede de classificá-lo numa categoria fixa.
  

Realismo
Segundo Coutinho (2004, p.12),
o Realismo é a tendência literária que procura representar, acima de tudo, a verdade, isto é, a vida tal como ela é, utilizando-se, para isso, da técnica da documentação e da observação contrariamente à invenção romântica. Interessado na análise de caracteres, encara o homem e o mundo objetivamente, para interpretar a vida. Utilizando-se das impressões sensíveis, procura retratar a realidade graças ao uso de detalhes específicos, o que faz que a narrativa seja longa e lenta e dê a impressão nítida e fidelidade dos fatos. A estética realista procura atingir a beleza sob os disfarces do comum e do familiar, no ambiente local e na cena contemporânea.

Em O Ateneu, o Realismo está presente na crítica social e explícita ao sistema educacional e o retrato fiel aos valores da época. É nessas críticas que se percebe um pessimismo cético na visão da realidade, tornando a narrativa lenta, dessecante e profunda. No internato, tudo é visto negativamente, Sérgio vê a escola como um antro de perdição, envolvida de hipocrisias, injustiças falsidades e amizades perigosas. Esta relação entre a escola e sociedade é observada  no capítulo XI: “Não é a escola que faz a sociedade, a sociedade a reflete”.

Raul Pompéia era republicano. Seus ideais políticos podem ser percebidos na obra, produto de sua insatisfação ao Segundo Império. Esse ideal republicano é percebido logo no primeiro capítulo, representado por Jorge, filho de Aristarco: “Seu filho Jorge, na distribuição dos prêmios, recusara-se a beijar a mão da princesa, como fazia todos ao receber a medalha. Era republicano o pirralho!”

Naturalismo

Os elementos naturalistas estão notavelmente presentes na obra. É a vida apresentada por meio da observação, captada por Sérgio e narrada, ora como confissão, ora como apresentação de um ambiente imperfeito e pervertido. Para Coutinho (2004, p. 13)
o naturalismo acentua as qualidades do Realismo, acrescentando uma concepção da vida que vê como o intercurso de forças mecânicas sobre os indivíduos, resultando atos, o caráter e o destino destes da atuação da hereditariedade e do ambiente. O espírito da objetividade e imparcialidade científicas faz com que o naturalista introduza na literatura todos os assuntos e atividades do homem, inclusive os aspectos bestiais e repulsivos da vida, dando preferência às camadas mais baixas da sociedade. (...) o Naturalismo procura representar toda a natureza, a vida que está próxima da natureza, o homem natural.

Na obra, o instinto natural do homem, o determinismo e a influência do meio entoa a realidade patológica do indivíduo, as situações de desequilíbrio em que o homem se comporta como um animal, entregue aos instintos, condicionado, subjugado, fatores que determinam o seu comportamento. E é nesse aspecto animalesco que, muitas vezes, as personagens são descritas: João Numa é comparado a um porco, Nearco parece um avestruz e Ângela tem a submissão de cadela. A homossexualidade também é abordada na obra pelo viés naturalista, mas falarei desse assunto posteriormente.

Outros elementos do Naturalismo podem ser percebidos nas personagens. Franco é o bode expiatório, o alvo sobre o qual é imputada toda a violência do internato, desde as humilhações dos colegas até as lições disciplinares de Aristarco, quando o usava como contra-exemplo, conforme observa Balieiro (2009, p.42):
À nota do Franco, sempre má, devia seguir-se especial comentário deprimente, que a opinião esperava e ouvia com delícia, fartando-se de desprezar. Nenhum de nós como ele! E o zelo do mestre cada dia retemperava o velho anátema. Não convinha expulsar. Uma coisa destas aproveita-se como um bibelô do ensino intuitivo, explora-se como a miséria do ilota, para a lição fecunda do asco. A própria indiferença repugnante da vítima e útil. (Cap.II)

Para Bosi (1994, 186) há no internato uma teia de interesses presa ao prestígio da riqueza, que contorna as diferenças individuais, e nas relações entre as personagens. Conforme o autor, após destruída a fachada que a cerimônia inicial levantara, Sérgio “percebe espantado uma divisão entre fortes e fracos, que a crise pubertária vai colorir de matizes sexuais. As lideranças, já coadas pelo poder da riqueza, se farão por critérios musculares ou etários: os mais rijos, os mais velhos e calejados tem condições de dominar os novatos.” A esta análise podemos acrescentar a observação de Sérgio em sua narração, no capítulo III: “Tudo ameaça os indefesos”.

Outro exemplo é o crime passional que envolveu dois amantes de Ângela, que intencionalmente, estimulava-os declarando a um e outro a sua preferência.

Impressionismo

Quintale Neto (2007, p. 43) menciona Heredia (1979) que diz que o impressionismo no romance pode ser visto “nas técnicas de apresentação dos acontecimentos e personagens, na estrutura orbital e não linear da narrativa que segue um tempo psicológico e não cronológico, no relevo que as cores tem ali acompanhado as sensações visuais exploradas pelo escritor”. Quintale Neto destaca a grande importância que o impressionismo deu ao uso da luz e da sombra que, segundo o autor, realça “a impressão que o ambiente causa, e não o contorno e a perspectiva do objeto representado.” Coutinho (1996, p. 325), diz que o mais importante no Impressionismo “é o instantâneo e o único, tal como aparece ao olho do observador. Não é o objeto, mas as sensações e emoções que ele desperta, num dado instante, no espírito do observador, que por ele é caprichosa e vagamente.” Em O Ateneu, Pompéia tem uma linguagem em que as palavras manifestam elementos dentro dessa perspectiva. Como o narrador é o protagonista, a construção da narrativa se dá impregnada de impressões, cuja explicação está no caráter memorialista que projeta lembranças e sensações a que o narrador recorre para apresentar os fatos.

Para exemplificar o impressionismo na obra, Quintale Neto faz referência a Mölk, quando este cita a cena de um passeio que os alunos fazem pela mata. Segundo Mölk, “vê-se a descrição do narrador como quem pinta um quadro impressionista, sempre em busca da expressão mais precisa”:
Passeio noturno de alegria sem nome. As árvores beiravam a estrada de muros num e noutro ponto rendada de frestas para o céu límpido. No caminho, trevas de túnel e a agitação confusa das roupas, malhada a esmos de placas de luar brando – réptil imenso de cinza e leite em vagarosa subida. Que sonho de cócegas experimentaria o colosso, na dormência de pedra que o prostrava ainda, espezinhado pela invasão! Subíamos. Pelas abertas do arvoredo devassávamos abismos; ao fundo a iluminação pública por enfiadas, como rosários de ouro sobre o veludo negro. (Cap. VIII)

Para Mölk, nada nesse trecho é visível ou claramente perceptível, que favorece a subjetividade. Podemos perceber a construção sombria da imagem, característica marcante do impressionismo. O autor observa como o narrador descreve a impressão que o ambiente causa. Quintale Neto (2007, p. 47) ressalta que há constantemente o uso da palavra impressão ou  impressões ao longo da narrativa. Logo nos primeiros contatos de Sérgio com o Ateneu, como podemos ver no capítulo I: “É fácil conceber a atração que me chamava para aquele mundo tão altamente interessante no conceito de minhas impressões”. O autor nota ainda o uso do pronome possessivo minhas, que enfatiza o caráter subjetivo da representação.

Expressionismo

Segundo Castro (2010, p. 14), o expressionismo está presente na obra na forma como o mundo da escola é visto é retratado a partir da perspectiva particular de Sérgio, que expressa seus sentimentos e os sentimentos dos outros a partir do seu ponto de vista. Bosi (1994, p.183) também dá exemplos de traços expressionistas, “como o gosto do mórbido e do grotesco com que deforma sem piedade o mundo do adolescente”. O autor destaca o expressionismo na captação dos ambientes e das pessoas por meio da imagem:

·         “As mangueiras, como intermináveis serpentes, insinuavam-se pelo chão...” (cap. XII);
·         “As crianças (...) seguindo em grupos atropelados, como carneiros para a matança.” (cap. VIII);
·         “Permitia, quando muito, que Rômulo a seguisse cabisbaixo e mudo, como um hipopótamo domesticado.” (cap. VII)
·         “Ele gozava como um cartaz que experimentasse o entusiasmo de ser vermelho.” (cap. I)
Coutinho observa que estas aproximações, em geral, são violentas e, no caso das pessoas, adquire um tom depressivo. Para ele, “a norma é o caricato, revelando o quanto de traumático deve ter marcado as experiências que lhes ficavam subjacentes.”

Podemos identificar na obra elementos expressionistas na descrição das personagens por meio dos exageros das emoções e na distorção da realidade por meio de caricaturas grotescas, como podemos ver neste trecho da obra, em que Sérgio descreve seus colegas de sala:
Os companheiros de classe eram cerca de vinte; uma variedade de tipos que me divertia. O Gualtério, miúdo, redondo de costas, redondo de costas, cabelos revoltos, motilidade brusca e caretas de símio – palhaço dos outros, como dizia o professor; o Nascimento, o bicanca, alongado por um modelo geral de pelicano, nariz esbelto, curvo e largo como uma foice; o Álvares, moreno, cenho carregado, cabeleira espessa e intensa de vate de taverna, violento e estúpido, que Mânlio atormentava, designando para o mister das plataformas de bonde, com a chapa numerada dos recebedores, mais leve de carregar que as responsabilidade dos estudos; o Almeidinha, claro, translúcido, rosto de menina, faces de um rosa doentio, que se levantava para ir à pedra com um vagar lânguido de convalescente; o Maurílio, nervoso, insofrido (...) (Cap. II)

Essa descrição também se dá sobre Aristarco de forma caricatural e grotesca. Após a descoberta da falsidade na linguagem do diretor do internato, Sérgio o tinha como a perversidade do sistema, que egocêntrico, autoritário e dotado e uma impressionante linguagem retórica,  dirigia a escola como se fosse uma casa de comércio.

Foco Narrativo  - Enredo

A obra é narrada em primeira pessoa. Seu narrador, Sérgio menino, relata suas memórias de infância vividas no internato. Vale observar que o romance inicia com o narrador-protagonista penetrando no Ateneu, mundo que ele mesmo vai descrever. Fechada as portas, o narrador expõe as mazelas desse mundo de modo profundo e dissecante.

Outro destaque do foco narrativo é que Sérgio é considerado um outro “eu” de Raul Pompéia. O narrador recebe a personalidade e as memórias do autor, que também estudou num internato, o que explica o subtítulo “Crônica de saudades”.  Para Castro (2010, p. 16), a obra não é uma simples autobiografia e nem uma obra de ficção e sim, uma mistura das duas.

Quintale Neto (2007, p. 36) cita Camil Capaz (2001), que vê caráter biográfico inquestionável o modo opressivo que cerca Sérgio, narrador que Pompéia escolheu para falar em seu nome. Quintale Neto destaca que uma longa nota anônima publicada na Gazeta de Notícias, provavelmente escrita ou pelo menos autorizada pelo autor de O Ateneu, esclarece que “o cronista faz a crítica do que viu e sentiu, do que lhe ensinara e de como lhe ensinaram”. Então, pode se concluir que em O Ateneu há uma mistura das experiências vividas por Pompéia retratadas pelo personagem Sérgio.

Tendo como afirmação de que o romance foi escrito por meio da memória e introspecção, o colégio O Ateneu assume o lugar do colégio Abílio em que Pompéia estudou. Através da narração de Sérgio, o autor deixa evidente a crítica amarga pelo modo como o ambiente e as personagens se constituem.

Coutinho (1996, p. 179) chama a atenção para o lado psicólogo de Pompéia em várias passagens de O Ateneu, que evidencia a versatilidade artística do autor, que aponta para o rancor e a sátira, dirigido para quase todos os lados e principalmente contra Aristarco.  
Mas aí está a arte de Pompéia, em suas características principais: a frase pinturesca e vivaz, as imagens ou expressões e adjetivos imprevistos, o senso plástico do desenho caricatural provocado pela mordacidade irônica.
O perfil de Aristarco procede enfim de uma ótica espiritual caprichosa, excêntrica e maligna, cuja incidência em vários tipos e cenas transmite à narrativa o mais estranho frêmito

Para Coutinho, o modo como o elemento autobiográfico sobressai e a atitude insofrida e agressiva que predomina no romance, a que o autor denomina de “gesticulante”, é “um traço de identidade do processo estético do romancista com o dos naturalistas da linha divergente de Zola, os irmãos europeus Edmond e Jules de Goncourt”. Para ele, a escrita artística de Pompéia tem a influência e carrega traços da “prosa artística” dos irmãos Goncourt.

O autor também dá destaque para o contexto jornalístico do romance. O Ateneu teria sido escrito dia a dia para publicação no jornal, durante três meses. No artigo de Morato, “O reflexo do cotidiano nas crônicas de Raul Pompéia – um olhar sobre a Crônica Jornalística-Literária”, a autora diz que as publicações tinham um engajamento social, tendo em vista que a maior parte de seus trabalhos eram publicados nos jornais em que trabalhou. Para ela, “se buscarmos compreender as obras de Raul Pompéia, seremos capazes de identificar nelas a visão de mundo do autor, que o orienta ao uso da linguagem e a malha dos conflitos que animaram e afligiram a sociedade brasileira no final do século XIX”. (p. 31)

Balieiro (2009, p. 10), analisa o enredo nas perspectivas de Mário de Andrade e Alfredo Bosi:
Em artigo de Mário de Andrade (1974), sublinha-se o conteúdo autobiográfico do livro, interpretando o romance como uma obra de vingança contra o ambiente educacional marcada por uma certa pedagogia vivenciada pelo próprio Pompéia. Na perspectiva de Andrade, o enredo se fixa na escola em caminho bem diverso da literatura contemporânea naturalista e realista marcada por amplas sínteses sociais. A análise de Alfredo Bosi (1988) aponta outro caminho de interpretação possível: ressalta a opacidade do ambiente que caracterizava a vivência de Sérgio na qual cada momento narrado esconde um risco iminente ou recorrente (palavras do autor)”.

Balieiro também cita Araripe Júnior (1978), que compreende o romance num tom darwinista, em que Sérgio procura resistir ao meio, da perversão sexual do internato, por ele narrado numa trama que, segundo Rodrigues (1979, p. 167) é a “explosão libidinosa da adolescência desinformada”. Para Rodrigues, nem é isto que choca em O Ateneu e sim, “o desvelar da trama em que o ser humano ser perde justamente na hora que procura encontrar-se” o qual chama de “movimento de deformação, a dialética mortal em que toda a pulsação estética do homem (estética num sentido bem amplo, que envolve a raiz das relações entre homem e mundo) se vai constituindo em castração cultural. É como se o narrador fizesse a seu modo um regresso psicanalítico às fontes primeiras de suas cicatrizes”.

Para Balieiro, outro destaque do romance  é “pedagogização do sexo” ou seja, a atenção que se tinha sobre a sexualidade e pelo suposto perigo que oferecia, quando era tida fora das normas da coletividade, em que as práticas homossexuais compreendidas como o resultado de um desejo, gerado pela força natural e ia contra as regras sociais. Segundo o autor, este “dispositivo de sexualidade construía corpos masculinos a partir de uma base heteronormativa que se impunha”. Este enredo rico em situações homoafetivas, mais tarde trouxe problemas para Pompeia.

No enredo, Balieiro acentua o teor darwinista-social em O Ateneu. O Gazeta de Notícias  interrompeu a publicação do romance em 14 de maio de 1988, auge da abolição da escravatura, que tomava as páginas do jornal. O romance só volta a ser publicado no dia 18, em que aparece o desfecho onde Américo, supostamente, incendeia o internato. Segundo o autor, “não é possível afirmar se Pompéia criou este final antes ou depois da abolição, mas é sugestivo pensar na influência que pode ter tido a promulgação da Lei Áurea nos caminhos do romance”. O que se percebe é uma crítica à monarquia associado à figura de Aristarco e a visão esperançosa de Pompéia pela queda do Império, associado à destruição do internato por Américo.

Ainda no enredo, Balieiro (p. 41) chama a atenção no modo como o romance disserta sobre o darwinismo e linha evolucionista da história da arte nas palestras do Dr. Cláudio:
“O esforço da vida humana, desde o vagido do berço até o movimento do enfermo, no leito da agonia, buscando a posição mais cômoda para morrer, é a seleção agradável”. (...) “A história do desenvolvimento humano nada mais é do que uma disciplina longa de sensações. A obra da arte é a manifestação do sentimento”. (...) Manifesta-se primeiro grosseiramente, por erupções de sentimento e faz o amor concreto, a interjeição, a eloqüência rudimentar, a poesia primitiva, o primitivo canto. Manifesta-se mais tarde, progressivamente, por efeitos de cálculo  e meditação e dá o epos, a eloqüência culta, a música desenvolvida, o desenho, a escultura, a arquitetura, a pintura, os sistemas religiosos, os sistemas morais, as ambições de síntese, as metafísicas, até as formas literárias modernas, o romance, a feição atual do poema e do mundo. (Cap. VI)

Para Balieiro, fica claro que os discursos do Dr. Cláudio são influenciados pelo determinismo. Mas essa influência não se restringe somente ao discurso do professor, estão espalhados no romance na descrição das personagens, e cita Mário de Andrade (1974) que diz: “Raul Pompéia os desenha com malvadez, grotescos, invejosos, insensíveis, perversos ou brutais”, onde o meio é se torna um difícil escape: “O meio, filosofemos, é um ouriço invertido, em vez da explosão divergentes dos dardos – uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual  da epiderme contra as puas. Em geral, prefere-se o meato”. (Cap.V)

O autor ainda discorre sobre outros elementos naturalistas no romance, como “a sensualidade, as paixões, a fraqueza e as vergonhas materializadas nas relações homoafetivas dos próprios alunos”, tudo descrito pessimamente por Sérgio durante a narração, ou inseridos nos discursos do Dr. Cláudio.

Tempo
Por conter traços biográficos, o tempo é dividido em tempo psicológico e tempo cronológico. O primeiro é o da memória, que é apresentado pelo narrador através de episódios marcados por lembranças. O tempo cronológico coincide com a trajetória de Sérgio no internato, linearmente circunscrito em dois anos, desde a entrada de Sérgio até o incêndio que o destrói.

Espaço
A narrativa se desenvolveu no Rio de Janeiro, final do século XIX.  O colégio representa um espaço reduzido da cidade que contribui para a compreensão do contexto histórico. As ações ocorrem no internato “O Ateneu, quarenta janelas, resplandecentes do gás interior, dava-se ares de encantamento  com a iluminação de fora (...)” (cap. I).  

Linguagem

Em O Ateneu, podemos perceber que a narração se dá através de uma linguagem impressionista e expressionista, predominando a sensação visual, olfativa e auditiva, através de elementos ricos de imagens, sonoros e coloridos. Segundo Morato (2010, p.16) Raul Pompéia seguia o estilo da época, marcada pela correção e padrões gramaticais rígidos. Trata-se de “uma linguagem distante do leitor moderno, usa com freqüência construções clássicas, figuras mitológicas, tendência para o uso excessivo de adjetivos que quase sempre acompanha o substantivo. Um exemplo dessa construção clássica está no uso do pronome átono antes da palavra referencial: “disse que me não interessava as intrigas” (Cap. X). Vejamos um exemplo de figuras mitológicas: “Era mais que uma revelação temerosa do Olimpo; era como se Júpiter mandasse Mercúrio catar à terra os raios já disparados e os unisse inavaliável dos arsenais do Etna (...)” (Cap. IV)

A tendência para a adjetivação, como já citado, é outro aspecto notório da linguagem no romance: “Erigia-se na escuridão da noite, como uma imensa muralha de coral flamante, como um cenário animado de safira, com horripilações errantes de sombra, como um castelo fantasma batido de luar verde emprestado a selva intensa dos romances cavalheirescos (...)” (Cap. I). Outro exemplo é o modo como o narrador referiu-se à Aristarco, ao assistir à destruição do Ateneu: “Ele, como um deus caipora, triste, sobre o desastre universal de sua obra” (Cap. XII).

Morato observa a tendência para a comparação através da conjunção “como”: “No pátio, o silêncio dormia ao sol como um lagarto” (Cap. XII); o uso de hipérboles: “Aristarco arrebentava-se de júbilo” (Cap. I); o emprego de metáforas: “Com o Ateneu estava satisfeito: uma sementeira razoável, não fazia rogar para florescer” (Cap. XI).

Além dessas figuras de estilos, podemos encontrar também a personificação: “o Sol vinha também à capela e colava de fora a fronte às vidraças (...)” (Cap. IV); Metonímia: “Acima de Aristarco – Deus! Deus tão somente; abaixo de Deus – Aristarco.” (Cap. I); e eufemismo: “Aqui suspendo a crônica das saudades” (Cap. XII)

Coutinho (2004, p. 177) fala sobre a ênfase que Pompéia dá às cores em sua linguagem: “Realmente, a cor era quase tudo para Pompéia, e no fazê-la prevalecer no seu estilo, agiu como mais viva sinceridade consigo próprio”. Podemos perceber esse nesse cromatismo do autor um apego a cor luminosa e viva e a adesão à claridade que o classifica no estilo impressionista: “(...) há sons brilhantes como a luz vermelha, que se harmonizam no sentimento com a mais vívida animação” (Cap. VI); “(...) ao fundo daquelas altíssimas paredes do Ateneu, claras da caiação do tédio, claras, cada vez mais claras” (Cap. VII).

O Ateneu como um microcosmo

No romance, o Ateneu é apresentado como um retrato da sociedade, a narrativa constitui o internato como um organismo vivo, em que mundo que se revela por dentro  é refletido pela sociedade através das máscaras e falsas aparências que corroboram com a corrupção, a hipocrisia, a exploração do homem e outras degenerações sociais.

Julio Valle (2010), eu seu artigo intitulado “Os muitos mundos de O Ateneu”, fala sobre essa relação, que representa de forma literária um presumível mundo real. Segundo o autor, a vivência se inicia no mundo infantil, que é englobado por outro maior, o mundo-internato (microcosmo), que será absorvido pelo maior conjunto, o mundo-verbo (Ciência e Arte). Julio Valle (2010, p.2) diz que
todo o romance pode ser compreendido como uma extensão de sua frase inicial: “Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta” O parágrafo seguinte só viria a confirmar este programa: “Bastante, experimentei depois a verdade desse aviso (...)”. Ou seja, o que se seguirá, parece, é mesmo a narrativa desse encontro inaugural com a face extracurricular da vida. Neste processo, o mundo infantil será englobado por outro, menos artificial – já que para dizer com Dr. Cláudio, bastante fiel ao “grande mundo lá fora”: o microcosmo do Ateneu.
Este mundo em miniatura funcionará como perfeita reprodução do seu modelo. Será uma cópia da “vida em sociedade” para falar novamente com Dr. Cláudio, e por isto equivalerá, para aqueles meninos, a um primeiro choque com os parâmetros adultos. Em sendo assim, pode-se concluir que este segundo estágio abre-lhes a sensibilidade para um mundo mais verdadeiro, donde o sentido de “descoberta” que parece ter, na verdade, o “encontro” pelo pai do protagonista logo no início do livro.

Para o autor, este microcosmo se constitui como um presumível e fiel espelho do mundo, que se mostra real na medida em que se dissipam os disfarces. Sérgio reproduz na sua narrativa esse processo, em que o mundo figurado acessa o sentido real das coisas e se constitui como mundo real. Essa descoberta, à princípio, é dolorosa, como podemos perceber pela vivência de Sérgio no internato, mas a partir do momento que a personagem assume as rédeas da situação, suas experiências passam a ser mais conscientes. Para Julio Valle “o microcosmo, por mais artificial que seja, nunca se desveste, na obra de sua alegada autoridade reflexiva do grande mundo lá fora”.

A homossexualidade em O Ateneu

Balieiro ( 2009, p.18) faz uma leitura sociológica de O Ateneu e busca “reconstituir aspectos importantes de uma nova ordem sexual heteronormativa que se impunha no Brasil do final do século XIX através da imbricação entre categorias sexualidade , gênero, classe e raça. Pompéia é citado por vários autores por causa desse assunto tão polêmico até nos dias atuais. Balieiro diz que seus contemporâneo tinha na personalidade doentia de Pompéia um homem nervoso, radical e estranho. Conforme notação do autor, em 8 de outubro de 1890, o Estado de São Paulo  noticia de forma enfática a futura participação do cronista como o “esquisito novelista do Ateneu”.

Segundo Balieiro, durante o século XX, biógrafos e críticos teciam a sua imagem sempre relacionada a termos patológicos. Mario de Andrade retoma uma questão discutida anteriormente sobre o fato de Pompéia não ter travado nenhuma relação íntima, bem como não conseguir narrar nenhuma forma de amizade verdadeira sem recair na imoralidade e supõe que o autor algum problema sério, uma tara, um segredo. Em outras biografias mais antigas, como a de Rodrigo Octávio (1978)  até a mais recende de Camil Capaz (2001),
Raul Pompéia aparece como uma criatura estranha; desde as suas características físicas como portador de estrabismo exagerado, passando pelo comportamento sui generis de um recatamento exaustivo – não tenho relacionado amorosamente com nenhuma mulher – até seu nervosismo extremo, sua sensibilidade aguçada que muitas vezes consiste na explicação de seu radicalismo político, seu nacionalismo exaltado e seu florianismo convicto. (p.20)

Alguns autores relacionam o suicídio de Pompéia a esse comportamento. Para Balieiro, havia uma concepção de masculinidade imposta no Brasil no período em que O Ateneu foi escrito. Por questões políticas, Pompéia se desentende com Olavo Bilac e Luis Murat, que passam a criticá-lo e a ofendê-lo em seus artigos, que se defende. As discussões giram em torno da honra.  Um duelo é marcado entre Pompéia e Olavo Bilac e no dia previsto, ambos são orientados a não realizarem o embate, que foi acordado com um aperto de mãos. A polêmica volta à tona e as ofensas continuam, construídas de forma a entender que Pompéia fosse um homem moralmente doente. Mesmo defendendo-se, Pompéia é demitido do cargo de diretor da Biblioteca Nacional e é insultado por Olavo Bilac ao noticiar o fato na Imprensa. Pompéia passa a ser ignorado na imprensa, inclusive no jornal com o qual colaborava. Balieiro destaca: “O cronista e escritor, sentindo- se rejeitado pelas gazetas e humilhado publicamente, mata-se para proteger sua honra. Deixa apenas um bilhete: “À notícia e ao Brasil declaro que sou um homem de honra” (p.109). Balieiro ressalta que, pelas suas obras, Pompéia só recebeu duras críticas em O Ateneu. Os outros trabalhos são bastante elogiados

A obra O Ateneu traz uma narrativa densa sobre a homossexualidade. Logo no início na narração, é descrita a perversão, a corrupção e a imoralidade presente no internato. As relações homoafetivas são tidas pelo diretor do internato como um desvio de comportamento merecedor de punição, como a que realiza ao descobrir o caso amoroso entre Cândido e Emílio. “Tenho a alma triste. Senhores! A imoralidade entrou nesta casa!” (Cap. VII) Aristarco tinha reunido todos para expor o caso e humilhar os envolvidos publicamente, inclusive os cúmplices. E continua com o seu sermão: “Há mulheres no Ateneu, meus senhores!”, ao referir-se à Cândido, que tinha assinado uma carta como Cândida.

Às vezes, a homossexualidade é posta na narrativa de Sérgio de modo subjetivado, tanto pare ele quanto para os meninos. Logo no início da narrativa, Sérgio recebe os conselhos de Rebelo sobre o internato:
Isto é uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. Não sou idiota; vivo só e vejo de longe; mas vejo. Não pode imaginar. Os gênios aqui fazem dois sexos, como se fosse uma escola mista. Os rapazes tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impelidos para o sexo da franqueza; são dominados, festejados, pervertidos como as meninas ao desamparo. Quando, em segredo dos pais, pensam que o colégio é o melhor das vidas, com o acolhimento dos mais velhos, entre brejeiro e afetuoso, estão perdidos... Faça-se homem, meu amigo! Comece por não admitir protetores”. (Cap. II)

Esse trecho torna claro como as relações entre os meninos se constituíam. Rodrigues (1979, p.169) expõe o que ele considera de “gestação do homossexualismo adolescente, “revivido” pela memória do narrador” ao abordar a amizade entre Sérgio e Bento Alves:
 “As pétalas começaram a aparecer mais frescas e mais vezes; vieram as flores completas. Um dia abrindo pela manhã a estante numerada do salão do estudo, achei a imprudência de um ramalhete. Santa Rosália de minha parte nunca tivera assim. Que devia fazer uma namorada? Acariciei as flores, muito agradecido, e escondi-as antes que alguém vissem”. (Cap. VI)

Rodrigues nota que após a briga entre Bento Alves e Malheiro, cujo motivo envolvia a Sérgio, este se sensibilizou intimamente, ao saber que seu amigo estava preso:
“Por minha parte, entreguei-me de coração ao desespero das damas romanceiras, montando guarda de suspiros à janela gradeada de um cárcere onde se deixava deter o gentil cavalheiro, para o fim único de propor assunto às trovas e aos trocadores medievos”. (Cap. VI)

A reprovação contra a homossexualidade era nítida no internato, através do controle e da vigilância de Aristarco: “Ah! Mas nada me escapa... tenho cem olhos. Se são capazes iludam-me!” (Cap. VII). Então, os envolvimentos que se dava fugiam dos olhares atentos do diretor e seus funcionários e assim evitavam os mecanismos disciplinares. É o que Sérgio narra sobre Sanches: “Contudo Sanches, como os mal-intencionados, fugia dos lugares concorridos. Gostava de vaguear comigo, à noite antes da ceia, cruzando cem vezes o pátio de pouca luz, cingindo-me nervosamente, estreitamente até levantar-me do chão”. (Cap. III)

No Artigo de Balieiro e Richard Miskolci (ano indefinido, p. 10), intitulado “O drama público de Pompéia: sexualidade e política no Brasil finissecular”, “a vigilância escolar revela-se meio importante para a consolidação da heteronormatividade”. Para os autores, embora a homossexualidade não tivesse como ser (e nem poderia) eliminada, era “relegada às sombras e ao segredo constituindo os limites negativos da desejada heterossexualidade”. Nos moldes dessa concepção, a heterossexualidade carregava fortes traços da masculinidade e da virilidade, que não se constituíam apenas pelo fato do homem se relacionar com mulheres, mas também através de relações de poder.

Considerações Finais

O Romance O Ateneu é uma obra que carrega traços biográficos e compõe-se de um fluxo incessante de sentimentos e sensações, um relato de um narrador sobre a sua própria vivência e que através do personagem Sérgio, traduz as ações e reações e reconstitui o seu passado, que chama de “Crônicas das Saudades”.

No romance, podemos encontrar uma variedade de significações, sejam nos estilos literários e no contexto sócio-cultural da época, seja na sua representatividade que tem para os leitores do mundo contemporâneo. Raul Pompéia expõe as suas impressões, seu modo peculiar  de se comunicar através das palavras, e revela o lado obscuro da sociedade. Traz críticas à sociedade, destituída de valores, e coloca o internato, o microcosmo, como um espelho do mundo real, em que as experiências e os elementos presentes, seja na figura de Aristarco ou nos desfechos das ações, serviam de base para o autor expressar seus ideais.

Considerada a sua obra-prima pela relevância do ponto de vista literário, O Ateneu é objeto de estudo de diversos autores, que o consideram uma das obras mais interessantes da literatura, tendo em vista a sua dimensão estética e realista.

  
Bibliografia:


BENELLI, Silvio José. O Internato Escolar “O Ateneu”: produção de subjetividade na instituição total. São Paulo: UNESP, 2003


BOSI, Alfredo. "Raul Pompeia",in História Concisa da Literatura Brasileira. 41ºed. São Paulo. Cultrix,1994,p.183-187

CASTRO, Elisabeth Batista de. O Ateneu de Raul Pompéia: uma análise psicanalítica de suas personagens. Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2010.

COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil – 7. Ed. rev. e atual. São Paulo: Global, 2004

JULIO VALLE. Os muitos mundos de O Ateneu. RevLet – Revista Virtual de Letras: vol.2, no1.  Unicamp, 2010

MORATO, Miriam Cristina Fernandes Bailo. O reflexo do cotidiano nas Crônicas de Raul Pompeia – Um olhar sobre a Crônica Jornalística-Literária. São Paulo: USP, 2010

POMPEIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000

QUINTALE NETO, Flávio. Idéias estéticas e filosóficas nos romances O Ateneu, de Raul Pompeia, e Die Verwirrungen des Zöglings Törless, de Robert Musil. São Paulo, Konstanz: 2007

RODRIGUES, A Medina (et alli) Antologia da Literatura Brasileira: textos comentados
do classicismo ao pré-modernismo. São Paulo: Marco Editorial, 1979.

MISKOLCI, Richard e BALIEIRO, Fernando de Figueiredo. O Drama público de Raul Pompéia. Sexualidade e política no Brasil finissecular. Local (?) Editora (?) Ano (?)



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